sábado, novembro 20, 2004

Leituras no tempo. Rio Maior 1878 (11ª e última parte)

Gruta das Alcobertas

Esta maravilha da natureza, talvez sem rival na europa, fica próximo à aldeia das Alcobertas.
Não posso dar d'ella melhor descripção, do que resumindo o que o sr. Bernardino Arede Soveral publicou no nº 127 do Diário Illustrado de 4 de Novembro de 1872.
Peço desculpa ao sr. Soveral por cortar as bellezas da dicção com que adornou o seu bello artigo, mas um diccionário, a não se descrever tudo sem flores de rhetorica, enfadaria os leitores, e augmentaria inconvenientemente volume da obra.
Eis o resumo da descripção do sr. Soveral:
"A dois kilómetros da povoação, começa a levantar-se o dorso da serra: é ella toda cintada com fiadas de pedras, similhantes a extensissimos degráos de uma escada de gigantes, e de tal modo a prumo, que, apesar de galgarmos com ancia tão íngreme subida, gastámos n'esta tarefa quasi meia hora e quasi também as forças.
...
Accenderam-se portanto, e distribuiram-se os brandões de cera que levavamos. Bem depressa a luz do dia desappareceu, e esta especie de procissão caminhava à luz das tochas. Eramos ao todo 9 pessoas.
Tinhamos caminhado uns 15 a 20 metros, e a gruta já tinha uma capacidade de 3 metros de alto e 2 de largo: nas paredes d'ella começavam a apparecer camadas de diversas crystalisações, que similhavam um fôrro de musgo; mas tão branco e transparente, como se uma camada de neve, em manhã d'Inverno, houvesse cahido por cima d'elle, conservando-lhe a forma ramosa. Era lindo ver como as nossas luzes faziam refulgir uns reflexos cambiantes d'aqueles grumos apparentes de um orvalho gelado.
Tenho visto algumas das grutas que ha no paiz. Li na excellente obra de Adolphe Joanne (Voyage illustrée dans les cinq parties du monde) as descripções de diversas grutas, e não encontrei alli, como na gruta que dscrevo, tantas, tão variadas e tão imponentes crystalisações, em uma distancia de mais de 300 passos, com abóbadas de cinco a nove metros de altura, recamadas de estalagmites admiráveis pelo volume, pelas côres, pela transparencia e pelo brilho. É realmente surprehendente o ver como das paredes da galeria brotam umas crystalisações como se fosse vegetação de mármore e vidro, aflorando aquellas superficies perpendiculares; outras vezes, pousando aquelles ornatos sobre uns degraus que vão esconder-se nos franjados que pendem dos extremos da abobada: faz parecer que uma cascata acabava de se gelar n'aquelle momento.

(Por princípio mantém-se a ortografia original dos documentos transcritos)
LEAL, Pinho, Portugal antigo e moderno, 1878

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