quinta-feira, abril 19, 2007

Património Mineiro e Industrial em Rio Maior . Parecer do IPPAR (Partes 1 e 2)


PARECER SOBRE A IMPORTÂNCIA PATRIMONIAL E SALVAGUARDA DO PATRIMÓNIO MINEIRO E INDUSTRIAL, EM RIO MAIOR

I. Conceitos Patrimoniais.

1. A estabilidade do conceito de património é cada vez menor. Talvez daí a dificuldade em fixar um universo referencial da memória e um modo de actuação consentâneo a uma salvaguarda perene.

2. Realidade construída por uma cultura da modernidade, o património foi integrando testemunhos materiais, hoje em dia, facilmente reconhecidos por todos, como os bens móveis ou imóveis provenientes de modos de vida destituídos como os conventos, palácios, castelos, criando tipologias estanques sustentadas em algumas designações como – arquitectura militar, arquitectura civil, arquitectura religiosa, arqueologia, etc.

3. A compartimentação da vida, em sintonia com as novas formas de pensamento, possibilita um tratamento standard para toda a produção material ou de memória produzida pelo Homem, utilizada como uma solução generalizada para uma diversidade que se avoluma indiscriminadamente.

4. Deixamos, assim, de ter um património facilmente reconhecível para, a partir dos anos 50 – 60 do século XX, herdarmos um vastíssimo legado deixado pelas mudanças culturais, económicas, sociais e tecnológicas cada vez mais rápidas. Deste modo, surgem como um imperativo novas realidades com direito a perdurarem a sua vida física, pois incorporam a identidade dos lugares, das culturas, mais ou menos locais, que tendem rapidamente a decompor-se, não se percebendo ainda o que a banalidade que a maioria dos sítios promove, hoje em dia, provoca efectivamente na sociabilidade e estabilidade das populações.

5. Os património industrial e mineiro reconhecem-se, precisamente, nas novas tipologias patrimoniais, surgidas a partir dos anos 50 e 60, com os devidos acertos cronológicos relativos ao processo de desenvolvimento de cada país.

6. Trata-se de um património com especificidades materiais difíceis de serem reconhecidas, de imediato, pelas instâncias decisórias. Por vezes apenas a memória afectiva das populações que com ele viveram transporta a nostalgia de uma hipotética reposição do tempo, muitas vezes não a pensada pelos técnicos que lidam com o património, mas a vivenciada por gestos reveladores de uma outra forma de vida, que manifestam sempre outras culturas de trabalho e de sociabilidade nesses espaços.

7. Afastado, por vezes, dos valores estéticos que canonizaram a maioria do património vigente, os património industrial e mineiro difundem um universo de valores, assentes, necessariamente, em outros parâmetros que divulgam um património conceptualmente mais actualizado.

8. Sistemas de construção, soluções construtivas, materiais de construção, equipamento tecnológico, sistemas energéticos, marcas, apropriação do território, contexto urbano ou rural, criação de uma nova fenomenologia dos espaços, de novas formas de vida, de novas classes sociais, de novas correntes artísticas, são alguns dos valores que devem nortear a análise desta materialidade.

9. Estes patrimónios não podem, assim, ser olvidados na prática da gestão dos lugares, sabendo-se, por vezes, que a identidade desses lugares definiu-se, de uma forma mais acentuada, em tempos mais recentes. A integração destes valores é, muitas vezes, mais morosa e implica um maior cuidado e lidar com a particularidade dos sítios ou dos conjuntos, mas o fundamental é, no entanto, a manutenção destes referentes e diversos modos de apropriação do/ de um território.

II. Mina

1.1. Mina de Rio Maior.

a) A exploração de uma mina não pode ser analisada, apenas, com um enfoque particular na sua história. A actividade mineira depende de inúmeros factores, desde logo a existência de um subsolo rico em minério, que em algum momento irá representar uma mais valia económica para a economia coetânea, quer nacional quer internacional.

b) Não sendo o propósito elaborar, neste parecer, uma resenha histórica, remetendo antes para os trabalhos já elaborados, é importante, no entanto, referir que as minas de Rio Maior encontram-se associadas à história do lugar, mas também ao contexto nacional. Por exemplo, Portugal não dispunha de muitas explorações de lignite, contam-se a mina de Buarcos, no Cabo Mondego, a de S. Pedro da Cova e Passal de Baixo, na bacia do Douro e a de Rio maior, registando-se um nível de exploração maior ou menor de acordo com o desenvolvimento industrial ou com os fluxos comerciais internacionais que, muitas vezes, estiveram indissociados das duas guerras mundiais existentes no século XX.

c) Dentro desta perspectiva de enquadramento apresenta-se uma breve cronologia:
1890 – Primeira tentativa de exploração de carvão de pedra, feita na Caniceira, pelo Sr. Charters Crespo.
1909 – Novas pesquisas, de curta duração, na Caniceira e Quinta da Várzea, realizadas por António Custódio dos Santos, em sociedade com seus cunhados.
? – António Custódio dos Santos registou a mina de carvão do Espadanal, associado com a firma Leite Sobrinhos e Cª e abriu um poço de pesquisas.
1914-18 – O Estado viu-se obrigado a recorrer a carvões nacionais, por falta de combustíveis. Iniciam-se as pesquisas e a extracção de carvão no sítio da Silvana, próximo da Caniceira, pela Empresa Carbonífera de Rio Maior, com sede em S. Pedro da Cova, contudo, a exploração não se chegou a efectivar, realizando-se apenas o registo da concessão.
1918 (final) – António Custódio dos Santos e a firma Leite Sobrinhos & Cª, proprietários da Mina do Espadanal, associam-se com a Empresa Industrial Carbonífera Electrotécnica, Limitada.
1942 – No Decreto-Lei nº 32270 as Minas de Rio Maior são incluídas dentro da reserva de combustível nacional, iniciando-se um período mais intenso de actividade. Este Decreto previa a construção do caminho-de-ferro e a montagem de uma instalação de secagem. Em 1949, surge uma instalação provisória do que seria a futura fábrica de briquetes.
1943-47 – No contexto da II guerra mundial o Estado teve, novamente a necessidade de recorrer a recursos minerais nacionais de uma forma mais acentuada, correspondendo este período ao de maior actividade da mina do Espadanal.
Anos 50 – Dentro da política de fomento económico, desenvolvida pelas concepções económicas do Estado Novo, os carvões de Rio Maior são enquadrados numa lógica de máximo aproveitamento das potencialidades existentes. Dentro deste princípio o Fundo de Fomento Nacional financia a fábrica de briquetes com 30.000 contos.
1955 – Inaugura-se a fábrica de briquetes (1) (lignite de grão fino) e 130 toneladas de lignite seca (lignite de grão grosso).
1960 – Fixa-se o prazo de um ano, através de escritura, para a liquidação da Empresa carbonífera de Rio Maior, Lda., tendo sido nomeada liquidatária a sócia Companhia das Minas de Carvão de S. Pedro da Cova SARL. Era a dissolução e o fim da primeira grande sociedade exploradora das minas de Rio Maior, que há muito havia desistido da sua exploração.
1964 – O geólogo Georges Zbyszewski publica trabalho sobre as jazidas de gesso em Portugal, revelando a existência de minérios associados nas minas do Espadanal e em algumas zonas limítrofes.
1968 – Por despacho ministerial é decretada a suspensão da lavra no couto mineiro da Quinta da Várzea.
1969 – Cessa a extracção e o fabrico de briquetes.
1970 – Após o encerramento da mina do Espadanal, é confirmada a suspensão da lavra dos três coutos mineiros da concessionária EICEL (EICE, SARL). No mesmo ano, por portaria de 27 de Julho, é autorizada a transmissão (2) de várias minas da Empresa Industrial Carbonífera Electrotécnica, SARL (EICE, SARL) para a Companhia Portuguesa de Electricidade, CPE, SARL.
1971 – Encerram as instalações. Todo o material é desmontado e recuperado – equipamento e maquinaria da mina, bem como no resto das instalações do couto mineiro.
1972 – É liquidada (por escritura de 20.10.1972) a Empresa Industrial Carbonífera Electrotécnica, SARL, cujos bens, na sua quase totalidade, passaram para o Estado.


(1) Tijolos auto-aglomerados por pressão, com 18cm x 5cm x 5cm (com 400 calorias) destinados ao consumo industrial.

(2) As minas transmitidas para esta empresa foram as seguintes: Espadanal, ponte de S. Gregório, Espadanal nº2 (pertencente ao couto mineiro do Espadanal); Quinta da Várzea, Casal do vale da Lagoa e Lobo Morto (do couto mineiro da Quinta da Várzea); Abum, Cidral nº1, S. Paio, s. Paio nº1 e Azinheira (pertencentes ao couto mineiro de tripoli de Rio Maior).



In Região de Rio Maior nº967, de 20 de Abril de 2007

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